Revista Raros Edição Especial - ELA
Carta ao Leitor
Esta edição especial da Revista Raros é lançada extraordinariamente no dia 21 de junho, em reconhecimento ao Dia Mundial de Conscientização da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Uma data simbólica, que nos convida a olhar com mais atenção, empatia e profundidade para uma das condições neurológicas mais desafiadoras da atualidade.
Nosso destaque de capa é o biólogo e ativista Mateus Rocha Merched, que transforma sua vivência com ELA em escuta ativa, informação e mobilização nas redes. Sua trajetória é marcada por lucidez, propósito e uma força silenciosa que inspira.
Trazemos também entrevistas com dois dos maiores nomes do Brasil no tratamento da ELA: o Dr. Acary Souza Bulle Oliveira, referência nacional e internacional em neurologia, e o Dr. Marco Antônio Troccoli Chieia, médico e presidente da ABraELA, que compartilham suas visões sobre avanços, desafios e, sobretudo, sobre dignidade e permanência.
Nesta mesma linha de esclarecimento, os colunistas Dr. Matheus Wassem e Dr. Guilherme Olival abordam com precisão um dos temas mais sensíveis: o diagnóstico da esclerose múltipla. Em seus artigos, eles desmistificam sintomas iniciais e explicam como diferenciar EM de outras condições — incluindo a própria ELA, que pode ter sinais semelhantes no início, mas evolui de forma totalmente distinta. Com isso, esta edição também cumpre o papel de ajudar a desfazer confusões comuns entre doenças que só compartilham o nome "esclerose", mas exigem caminhos e cuidados diferentes.
Trazemos ainda a história de Ricky Ribeiro, especialista em mobilidade urbana, que mostra com sensibilidade e clareza como é possível reinventar caminhos e seguir contribuindo com inteligência — mesmo após o diagnóstico de ELA.
Você vai conhecer também a trajetória de Karen Lópes, diagnosticada com EM primária progressiva, que compartilha sua vivência com coragem e delicadeza, mostrando que é possível reconstruir tempo, autonomia e pertencimento.
Entre as novidades, celebramos a estreia da coluna "Em Análise", com textos assinados por psicólogos convidados. Nesta edição, a reflexão gira em torno do corpo, da permanência e do olhar que sustenta. Na Conexão Raros, fortalecemos os laços com quem também constrói essa jornada. Este mês, destacamos a atuação da Associação Pró-Cura da ELA, que vem ampliando o apoio a pacientes e promovendo conscientização em todo o país. E nas Dicas da Raros, indicamos filmes que ampliam o olhar sobre as realidades de quem vive com doenças raras.
A Raros segue em transformação. Com novas colunas, novas conexões e o mesmo propósito de sempre: oferecer aquilo que tantas vezes nos faltou não só no início, mas ao longo de toda a jornada. O acolhimento, a conversa que conforta, a troca que informa, o gesto que conecta.
Obrigada a cada profissional, ativista e leitor que fez parte desta edição. Que ela te alcance com sentido e te acompanhe com afeto.
Com carinho, Giselle Pekelman Editora Responsável — Revista Raros
Sumário
1
01 Carta ao Leitor
Apresentação da edição especial sobre ELA
2
02 Sumário
Guia completo dos conteúdos desta edição
3
03 História da Capa
Entre ciência, dor e propósito: a voz de Mateus Rocha Merched contra o silêncio da ELA
4
04 Coluna Dr. Matheus Wassem
Do sintoma à certeza: o passo-a-passo para o diagnóstico da Esclerose Múltipla
5
05 Artigo
A linha que separa o desconhecimento da esperança: tudo o que você precisa saber sobre a Esclerose Lateral Amiotrófica. Dr. Marco Antônio Troccoli Chieia
6
06 Raro do mês
Karen Lópes - O que ninguém viu quando ela parou de andar
7
07 Lifestyle
Movido pela mente: a trajetória de Ricky Ribeiro com a ELA e a mobilidade urbana
1
08 Fala Dr. Guilherme
Desvendando Caminhos: Carta aberta sobre o Diagnóstico da Esclerose Múltipla
2
09 Histórias
Esclerose Lateral Amiotrófica: o desafio, o cuidado e a dignidade no olhar do Dr. Acary
3
10 Conexão Raros
Associação Pró-Cura da ELA
4
11 Interdisciplinar
André Dallaserra - Quando o corpo escuta, a vida responde. Reabilitação que começa na escuta, passa pela ciência e devolve sentido ao movimento
5
12 Em Análise
Ângelo Monesi - O impacto psicológico de um diagnóstico: entre perdas, luto e reconstruções
6
13 Dica da Raros
Recomendações de filmes sobre doenças raras
História da Capa
Entre ciência, dor e propósito: a voz de Mateus Rocha Merched contra o silêncio da ELA
Belo Horizonte é a cidade onde ele mora hoje. Mas a história de Mateus Rocha Merched começa em Montes Claros, no interior de Minas Gerais. Biólogo, engenheiro ambiental e sanitarista, ele sempre foi movido por curiosidade e inquietação. E se define, com certa leveza, como ativista, professor, comunicador e, com bom humor, também como influencer. Aos 36 anos, ele vive uma das jornadas mais complexas e desafiadoras que alguém pode enfrentar: conviver com Esclerose Lateral Amiotrófica, uma das doenças mais cruéis e invisibilizadas do nosso tempo.
Criador do perfil @falandodaela, Mateus decidiu transformar sua experiência em voz pública. "Não é um perfil sobre mim", ele diz. "É um perfil sobre todos os pacientes de ELA. É a nossa luta condensada num lugar só." A decisão de se expor dessa maneira não foi instantânea. Surgiu no meio do caos. O diagnóstico foi demorado, angustiante. Cada dia sem resposta pesava. E pior, ele já conhecia a ELA, mesmo que de forma superficial. Isso fazia a possibilidade dela rondar ainda mais dolorosa.
Tudo começou com uma fasciculação discreta no braço esquerdo. Espasmos musculares involuntários. "Na época, minha vida estava normal", ele relembra. "Eu fazia academia, tomava banho sozinho, abria potes, vivia bem." Mas a normalidade começou a desmoronar em silêncio. "Na metade de 2022, percebi uma atrofia na mão esquerda. Pequenas ações começaram a falhar. Abrir uma embalagem, fechar um zíper, até abrir uma camisinha se tornou um desafio."
Foi aí que iniciou a peregrinação. Primeiro um ortopedista, que não encontrou nada específico. Depois um neurologista. Depois um neurocirurgião. "Eu poderia fazer um roteiro inteiro sobre essa jornada. Passei por consultas, ressonâncias, exames clínicos e, por fim, a eletromiografia. Que foi de longe o exame mais doloroso de todos." A cada teste, uma exclusão. A cada exclusão, o medo se estreitava. Algumas doenças graves saíam do caminho. Mas, infelizmente, a que ficou foi a ELA.
Ele descreve o impacto como um luto contínuo. "É como perder partes suas em vida. Primeiro vem a indignação. Depois a revolta. E por fim o silêncio. E esse silêncio pesa. Dentro e fora da gente." Durante o processo, chegou a haver dúvidas sobre o diagnóstico. "A ELA mimetiza muitas doenças neurológicas. O comprometimento do neurônio motor superior no meu caso era claro. Muita espasticidade, dores fortes. E isso acabou orientando a conclusão dos médicos."
Hoje, viver com ELA é uma prova diária de resistência. "Tenho 1,90m de altura e não consigo mais me levantar da cama sozinho. Preciso de um guincho. Não é só a perda física. É o que ela representa. A doença vai tomando o corpo. E, se você não se cuida, começa a querer tomar a mente também."
Transformando dor em propósito
Mas Mateus aprendeu que resistir sozinho não é uma opção. "Uma boa rede de apoio, profissionais sérios, equipamentos adequados. Tudo isso é o mínimo pra sobreviver. E olha que não é fácil garantir nem o mínimo." Adaptações fazem parte da rotina. "Mexer no celular, tomar banho, comer. Tudo mudou. E confesso, enquanto escrevo isso, tem um nó na garganta. Dói lembrar do Mateus de antes. Dói perceber o quanto ele se transformou."
Um encontro transformador
Entre os momentos mais duros, há um que permanece como tatuagem emocional. "Conheci, pelas redes, uma moça de apenas 20 anos. Tinha os dois diagnósticos: ELA e esclerose múltipla. Era uma teleconsulta com uma nutricionista. No vídeo, à esquerda, a profissional. À direita, eu. No centro, ela. Deitada, com dificuldade de falar. Ao lado, a mãe. Segurando um bebê. A casa era muito humilde. Aquilo me atravessou. Me segurei pra não chorar. Pensei: se já é brutal viver com ELA, imagina nessa realidade."
Nascimento do ativismo
Esse encontro virou um ponto de inflexão. "Ali eu entendi que o meu ativismo tinha que ser mais do que conteúdo. Tinha que ser uma ponte." E é justamente isso que o @falandodaela representa. Uma ponte entre dor e ação. "Uso o bom humor e o raciocínio lógico como ferramentas pra não enlouquecer. Mas é o propósito que me ancora. Sem isso, acho que já teria desmoronado."
Histórias da Capa (continuação)
O ativismo de Mateus não nasceu de uma estratégia. Nasceu da urgência. Foi sendo construído no dia a dia, entre as consultas, as dores, os desafios para respirar melhor, as conversas com outros pacientes que, como ele, estavam sendo engolidos por um sistema despreparado. Ele percebeu que havia um abismo entre a realidade da doença e o que as pessoas sabiam sobre ela. Entre o que os pacientes precisavam e o que lhes era oferecido. Foi aí que ele decidiu fazer diferente.
"Ao lidar com médicos, medicações e burocracias, comecei a entender que os problemas da ELA não eram só meus. Não eram só individuais. Eram sociais. A falta de preparo dos profissionais, a desinformação, a ausência de políticas públicas. Tudo isso me fez querer agir."
Foi assim que nasceu o conteúdo do @falandodaela. Informativo, visualmente pensado, emocional, politizado. Ele fala de ciência, mas fala também da dor de não conseguir mais levantar da cama. Fala da ausência de políticas públicas, mas fala da solidão. Fala de viver com dignidade.
Entre os conteúdos que mais o marcaram está um vídeo narrando a jornada de uma pessoa que vai perdendo tudo aos poucos. Desde os primeiros sintomas até a paralisia total. Um vídeo direto, mas cheio de emoção. Com uma frase que virou quase um lema para quem acompanha seu trabalho: "A gente não quer sobrevida. A gente quer vida."
E se ele sente orgulho do que construiu até aqui? "Sim, muito. Mas não por vaidade. É pelo impacto. Cada mensagem de agradecimento que recebo. Cada familiar que escreve dizendo que passou a entender melhor a ELA. Cada paciente que se sentiu representado. Tudo isso me confirma que estou no caminho certo. Eu sei que estou fazendo um belo trabalho."
E, mesmo diante de tudo, ele reconhece que aprendeu. Aprendeu muito. "A ELA me ensinou que o tempo tem outro valor. Que o essencial não pode ser adiado. Que a gente não controla a vida. Só a forma como responde a ela. Isso tem sido uma lição diária. Intensa. Por vezes, brutal."
E se pudesse olhar para si mesmo com um pouco de distância? Ele não hesita na resposta. "Costumo pensar que, se eu, com tudo que enfrento, consigo fazer o que faço… o que o resto do mundo está esperando pra agir? Eu juntei tudo o que aprendi na vida. Cada diploma, cada leitura, cada experiência. E canalizei para esse trabalho. Sei que sou bom no que faço. E não é arrogância. É entrega. É verdade."
E, com um sorriso firme, ele encerra: "Eu me vejo como um cara sem delongas. Foda."
Representatividade
Há algo que o emociona profundamente: quando alguém diz que se sentiu representado. "Quando alguém, que também vive uma situação limite, escreve dizendo: você disse exatamente o que eu sinto, mas não conseguia expressar. Isso me desmonta", ele conta. "É ali que eu percebo que o conteúdo ultrapassou a dor individual. Virou ferramenta coletiva de empatia, de transformação."
Urgência
Mateus quer que as pessoas entendam que a ELA é urgente. Que ela destrói vidas em silêncio. Que a invisibilidade também mata. Mesmo sendo considerada uma doença rara, ela precisa de atenção. Precisa de empatia. Atualmente, ele participa como pesquisador convidado na Universidade Federal de Viçosa e mantém contato com iniciativas sérias, como a MovELA e a Abrela.
Conscientização
Sobre campanhas como o Ice Bucket Challenge, ele é direto. "São fundamentais. O banho de água gelada chama atenção. Mas o que importa mesmo é a mensagem. A criatividade engaja. E precisamos engajar muita gente, porque o tempo é curto."
Histórias da Capa (conclusão)
Para quem acabou de receber o diagnóstico de ELA, ele hesita um pouco. É difícil dar uma resposta pronta. "A primeira reação é técnica. Você precisa de uma equipe. Fisioterapeuta, nutricionista, fonoaudiólogo, suporte psicológico, exames genéticos. Tudo isso é fundamental. Mas tem uma parte subjetiva que é mais difícil de explicar."
Então, se eu puder dizer algo, diria: sinta o que você tiver que sentir. Não se culpe por isso. Seja egoísta, se precisar. Priorize você. E, acima de tudo, lembre-se de dar sempre um passo à frente. Mesmo que seja pequeno. A adaptação dói, mas é necessária. E quanto antes você aceita, mais dignidade você preserva.
No fim da conversa, ele compartilha uma história significativa. Foi até Salbaté, em São Paulo, visitar o padre Marlon Múcio. Um paciente raro como ele, extremamente ativo na luta pelos invisíveis. Gravaram um podcast juntos. Foi uma troca de fé, de força, de humanidade. "É alguém que me inspira", ele diz. "Um abraço pra ele."
E, antes de encerrar, ele deixa um pedido. Um apelo quase silencioso, mas firme. "Quanto mais falas sobre a ELA, mais isso ecoa. Siga o perfil. Incentive a pesquisa. Compartilhe conteúdo. Ajude pacientes. Qualquer gesto pode fazer a diferença. Porque, infelizmente, o tempo que a gente tem é curto."
E, às vezes, tudo o que uma vida precisa para não ser esquecida… é ser contada.
Diagnóstico
Identificação precoce e precisa da ELA através de exames neurológicos, eletromiografia e exclusão de outras condições.
Equipe Multidisciplinar
Acompanhamento com neurologista, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, psicólogo e terapeuta ocupacional.
Apoio Emocional
Suporte psicológico e rede de apoio para paciente e familiares, fundamentais para enfrentar os desafios da doença.
Conscientização
Divulgação de informações sobre a ELA para combater o desconhecimento e promover políticas públicas adequadas.
Coluna Dr. Matheus Wassem
Do sintoma à certeza: o passo-a-passo para o diagnóstico da Esclerose Múltipla!
Receber um diagnóstico de Esclerose Múltipla (EM) pode ser um processo longo, cheio de dúvidas, expectativas e inseguranças. Ao contrário do que muitos pensam, não existe um exame único que "detecta" a EM de forma clara e imediata. O diagnóstico é feito pela análise clínica completa, de forma criteriosa e juntando todas as peças da história, exame físico e exames complementares. Entender esse processo pode ajudar a reduzir a ansiedade e preparar o paciente — e sua família — para as etapas seguintes.
História Clínica
Tudo geralmente começa a partir da história clínica. O passo mais importante para buscar um diagnóstico de EM é a pessoa ter passado por um surto bem clássico da doença. Os consensos sempre recomendam que os critérios não sejam aplicados em pacientes que apresentam uma história clínica não típica de EM.
Surto Típico
Um surto típico de EM geralmente é um sintoma neurológico focal e bem localizado com alterações no exame físico, de evolução subaguda (dias), com duração maior que 24 horas, na ausência de febre, infecção ou outros fatores confusionais.
Consulta Neurológica
Diante de qualquer sintoma desses, típicos ou não, o primeiro passo é uma consulta detalhada com neurologista. O médico é quem tem a responsabilidade de ouvir a história do paciente, mapear os sintomas, investigar o tempo de duração e avaliar sinais neurológicos através de um exame físico completo.
Surtos mais típicos da EM
  • Neurite óptica unilateral (dor ocular com embaçamento da visão)
  • Desequilíbrio ou ataxia (dificuldade para andar) devido à lesão no cerebelo
  • Fraqueza, formigamentos ou falta de sensibilidade de um lado do corpo devido à uma lesão cerebral
  • Visão dupla por lesão no tronco encefálico
  • Surtos por lesão na medula espinhal
O que não caracteriza um surto de EM
  • Sintoma rápido de segundos, minutos ou horas
  • Sintoma muito inespecífico, como tontura, dores de cabeça
  • Esquecimentos, névoa mental, confusão mental
  • Fadiga, depressão ou dores
Sintomas assim até podem estar presentes, mas não são considerados um surto clássico de EM para que os critérios diagnósticos sejam aplicados.
Coluna Dr. Matheus Wassem (continuação)
Exames Complementares
Então, digamos que o paciente esteja apresentando algum daqueles sintomas bem característicos de EM. O principal exame é a ressonância magnética do crânio e da medula espinhal, que poderá mostrar lesões características da EM — áreas de inflamação que indicam "ataques" do sistema imunológico ao sistema nervoso central.
Geralmente as lesões aparecem brancas e com formato oval. Mas atenção, não é qualquer lesão na ressonância que é típica de EM. É preciso que o neurologista ou o radiologista tenham olhos treinados para identificar as lesões corretamente.
Para que a lesão de EM seja considerada típica e reforce o diagnóstico, ela precisa ter um formato oval, tamanho mínimo de 3 milímetros e estar localizada em pontos característicos da doença também.
Algumas lesões branquinhas no cérebro são extremamente comuns em pessoas normais ou com outros diagnósticos. Pontinhos brancos na ressonância, chamados de "gliose", podem aparecer devido à idade, estresse, dores de cabeça, picos de pressão, entre outros fatores.
Além disso, exames de sangue também serão solicitados pois ajudam a descartar outras doenças (principalmente infecciosas, autoimunes e falta de vitaminas) que poderiam simular os mesmos sintomas.
Atenção!! O exame de punção lombar para a coleta do líquor não é obrigatório sempre!! Em alguns casos, o médico solicita esse exame para verificar se há a presença de bandas oligoclonais, um marcador que reforça a suspeita de Esclerose Múltipla. A presença das bandas não é uma certeza de 100% de que seja EM e a ausência de bandas não descarta 100% a EM também.
Trata-se de apenas mais uma "peça" para o grande quebra cabeças que é o diagnóstico da EM e esse resultado deverá ser avaliado em conjunto com todas as demais informações adquiridas.
1
Critérios de McDonald
O diagnóstico da EM segue um consenso definido internacionalmente, atualmente são os critérios de McDonald de 2017, mas que estão para serem atualizados agora em 2025. Basicamente esses critérios são o que conversamos até aqui hoje.
2
Disseminação no tempo
Eles consideram a história clínica, a ressonância magnética e mais alguns detalhes, como a disseminação no tempo (ou seja, mais de um surto ou evidências de atividade da doença em momentos diferentes).
3
Disseminação no espaço
E a disseminação no espaço (lesões típicas da EM em diferentes partes do sistema nervoso, como cérebro, medula, tronco encefálico, cerebelo, córtex, etc.).
Ninguém quer ter Esclerose Múltipla, mas os pacientes anseiam por algo que explique os seus sintomas, mesmo que não seja um diagnóstico fácil. Alguns pacientes as vezes passam longos períodos investigando, sem ter uma conclusão do diagnóstico, pois ou não apresentam um quadro clínico típico da EM ou não tem lesões na ressonância típicas da EM. Nesses casos, por um lado é bom, pois de novo, ninguém quer ter EM, mas por outro lado é ruim, pois a pessoa continua sem ter um diagnóstico que explique seus sintomas e seu sofrimento.
É um processo que exige atenção, sensibilidade e paciência — tanto do médico quanto do paciente. E é importante lembrar: quanto mais cedo o diagnóstico é feito, mais rapidamente se inicia o tratamento, o que pode reduzir o risco de novas crises e trazer mais qualidade de vida.
Se você ou alguém próximo está passando por esse caminho agora, saiba que não está sozinho. Nesta edição da Raros, trazemos relatos reais de pessoas que enfrentaram essa jornada e hoje vivem com mais leveza, informação e acolhimento. Conhecer a doença é o primeiro passo para enfrentá-la com coragem.
Com toda minha solidariedade e apoio,
Dr. Matheus Wasem
Médico Neurologista CRM/PR 37.001 – RQE 26.459
Artigo
A linha que separa o desconhecimento da esperança: tudo o que você precisa saber sobre a Esclerose Lateral Amiotrófica
A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma das doenças neurológicas mais desafiadoras da atualidade. Embora seja considerada rara, ainda impõe um caminho difícil até o diagnóstico no Brasil, especialmente quando faltam informações claras sobre os primeiros sinais, os exames corretos e os cuidados que ajudam a preservar a qualidade de vida.
Nesta edição especial da Revista Raros, entrevistamos o Dr. Marco Antônio Troccoli Chieia, neurologista da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e presidente da Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (ABraELA), sediada na cidade de São Paulo. Com mais de duas décadas de atuação dedicada à ELA, Dr. Chieia também coordena o Ambulatório de Doenças do Neurônio Motor e é um dos principais nomes da neurologia brasileira envolvidos na pesquisa e no cuidado com a doença.
Diagnóstico e primeiros sinais
A ELA tem uma incidência de 1 a 2 por 100 mil habitantes, sendo considerada uma condição rara. A prevalência, porém, pode variar. "Temos até regiões do mundo com clusters de ELA, ou seja, com uma alta incidência: mais de 100 por 100 mil", explica Dr. Chieia.
Mecanismo da doença
A ELA é uma doença do neurônio motor — célula responsável por comandar os movimentos voluntários, presente no cérebro, na medula espinhal e no tronco cerebral. Quando esse neurônio começa a falhar, surgem os primeiros sintomas.
Evolução
"Pode ser rápida, moderada ou muito lenta. Quando eu falo rápida, podemos falar de semanas a meses. Ou pode ser de maneira moderada e lenta, como podemos falar de meses a anos. E temos em torno de 10% dos casos em que os pacientes evoluem por mais de 10 anos", explica.
Caminho diagnóstico
Segundo o neurologista, é comum que os pacientes passem por vários médicos antes de chegar ao diagnóstico definitivo. "Normalmente, em torno de cinco médicos até se chegar ao especialista em doenças neuromusculares."
Artigo (continuação)
Sintomas mais comuns
  • Perda de força muscular
  • Dificuldade de pinça
  • Tropeços frequentes
  • Câimbras
  • Fadiga
  • Perda de destreza
O tempo até o diagnóstico também varia: nas formas bulbáricas (com início na fala e deglutição), pode ser de 8 a 9 meses; nas formas com início nos membros, o tempo médio chega a 1 ano.
Exames fundamentais
Dr. Marco destaca três exames centrais para o diagnóstico:
  • Eletroneuromiografia (ENMG), que permite identificar a localização da lesão — se está no neurônio motor, no nervo periférico, no músculo ou na junção entre os dois.
  • Ressonância magnética de crânio e coluna cervical, para excluir outras doenças.
  • Exames de sangue, usados para afastar outras causas que simulam a ELA.
"Existem várias doenças que podem simular o diagnóstico de ELA. Algumas variantes têm curso benigno e outras são tratáveis. O médico com experiência na área é quem vai saber elucidar essas dúvidas."
Tratamento: o que existe hoje
Apesar de ainda não haver cura, existem medicações neuroprotetoras aprovadas no Brasil e no exterior, que podem retardar a progressão da doença e preservar a função motora por mais tempo.
Riluzol
"A mais conhecida é o riluzol, uma droga oral que utilizamos de forma rotineira duas vezes por dia desde o início da doença", explica.
Edaravone
Também há a edaravone, medicação endovenosa que atua como antioxidante, embora seu uso seja mais limitado por não estar disponível no SUS.
Suplementos
Entre os suplementos e medicações que vêm sendo utilizados com apoio da ciência estão: L-serina, TUDCA (ácido tauroursodesoxicólico) e Metilcobalamina (vitamina B12 em alta concentração intramuscular), com bons resultados em estudos japoneses.
"Tem conferido alguma neuroproteção de forma importante quando usada precocemente", afirma.
Artigo (conclusão)
Novas terapias genéticas e esperança
O neurologista destaca a chegada de terapias genéticas baseadas em oligonucleotídeos, que têm demonstrado resultados promissores. "São moléculas que interferem no RNA e bloqueiam proteínas tóxicas que causam a doença", explica.
Entre as mais estudadas estão:
  • Toffersen (para mutações na proteína SOD1)
  • Neffersen (para mutações na proteína FUS)
"Essas duas formas já demonstraram resultados em controlar a doença e, em alguns casos, até revertê-la. Isso é uma grande notícia. Depois de tanto tempo, estamos conseguindo tratar e reprogramar a ELA — coisa que não existia antes."
A importância da equipe multidisciplinar
Mesmo com os avanços farmacológicos, Dr. Chieia reforça: "O tratamento mais importante para todos os pacientes é, sem dúvida, a instalação precoce da equipe multiprofissional."
Fisioterapeuta motor
Trabalha com exercícios específicos para preservar a força e mobilidade dos músculos ainda funcionais.
Fisioterapeuta respiratório
Fundamental para manter a capacidade pulmonar e prevenir complicações respiratórias, uma das principais causas de agravamento.
Nutricionista
Adapta a alimentação conforme as necessidades e dificuldades de deglutição que surgem com a progressão da doença.
Fonoaudiólogo
Trabalha para preservar a fala e a deglutição pelo maior tempo possível, além de introduzir métodos alternativos de comunicação.
Psicólogo
Oferece suporte emocional essencial tanto para o paciente quanto para a família durante todo o processo.
Terapeuta ocupacional
Desenvolve adaptações para manter a independência nas atividades diárias pelo maior tempo possível.
"Trabalhar todas as funções motoras desde o início, com apoio contínuo da equipe, garante uma melhora sensível. O médico, junto com a equipe, são decisivos para o caminho ser mais benéfico."
"O diagnóstico precisa ser dado com responsabilidade. No mesmo instante, o paciente precisa receber orientação clara sobre o que é possível fazer, quem procurar e por onde começar."
Dr. Marco Antônio Troccoli Chieia finaliza lembrando que dignidade não se dá apenas por medicações, mas pelo modo como o paciente é acolhido e apoiado. "Não é porque a doença é rara que ela merece menos atenção. Pelo contrário, ela exige mais sensibilidade e compromisso."
Entrevista concedida à jornalista Giselle Pekelman para a edição especial da Revista Raros, publicada em junho de 2025, mês de conscientização sobre a ELA.
ABraELA – Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica
📍 Rua Machado Bittencourt, 205 – São Paulo/SP
🌐 www.abraela.org.br | 📱 @abraelaoficial
Raro do mês
O que ninguém viu quando ela parou de andar
Por Giselle Pekelman
Karen Lópes tem 38 anos, nasceu e continua morando em Ilha Solteira, uma cidade pequena do interior paulista onde o tempo corre mais devagar e as histórias ganham contornos profundos. É ali que ela construiu vínculos, descobriu paixões e, mais recentemente, reencontrou o próprio caminho depois de um diagnóstico transformador: Esclerose Múltipla primária progressiva.
Antes disso, a vida seguia em ritmo promissor. Formada como tecnóloga em Radiologia, Karen começou a dar aulas na faculdade onde estudou. Realizada, via na docência uma forma de retribuir o que havia aprendido e de se manter ativa num ambiente que admirava. Mas, em pouco tempo, sinais inesperados começaram a interferir na rotina. Dormência nas mãos, desequilíbrio, dificuldade para escrever na lousa. O corpo já sinalizava que algo não ia bem, mesmo que ela ainda não compreendesse o que estava por vir.
Em retrospecto, os primeiros sinais apareceram em 2014, quando enfrentou uma neurite óptica. Na época, como a visão voltou ao normal rapidamente, ela não investigou. Mas em 2016, o formigamento constante em braços, pernas e abdômen a fez buscar ajuda. O neurologista suspeitou da Esclerose Múltipla logo na primeira consulta. Em menos de um mês, veio a confirmação.
"Foi um grande choque. Eu nem sabia o que era essa doença. O nome me parecia algo distante, quase irrelevante. Descobri, da forma mais difícil, que era tudo menos isso."
O desconhecimento inicial sobre a EM era comum. Como muitas pessoas, Karen associava a doença a pessoas idosas, com problemas de memória. O termo "esclerosado", repetido socialmente sem entendimento, alimentava essa visão equivocada. Ao ser diagnosticada, sentiu-se perdida, assustada e despreparada para a avalanche de transformações que viriam. Mas com o tempo, aprendeu que é possível atravessar o medo e, a partir dele, construir novas possibilidades.
A mobilidade foi a primeira grande mudança. Aos poucos, a bengala virou andador. O andador deu lugar à cadeira de rodas, que hoje é parte de sua autonomia. Karen consegue ficar em pé, mas não tem equilíbrio para andar. Lesões na região cervical e torácica afetam sua força e estabilidade. Mesmo assim, ela afirma com firmeza que a cadeira de rodas não limita. Pelo contrário, liberta.
"Ela me devolve liberdade. O que seria de mim sem ela? Estar sentada não significa estar parada. Significa seguir, de outro jeito."
Raro do mês (continuação)
1
2014
Primeiros sinais: neurite óptica que se resolveu rapidamente e não foi investigada.
2
2016
Formigamento constante em braços, pernas e abdômen leva Karen a buscar ajuda médica.
3
Diagnóstico
Neurologista suspeita de Esclerose Múltipla na primeira consulta. Confirmação vem em menos de um mês.
4
Adaptação
Progressão da bengala para o andador e, finalmente, para a cadeira de rodas que hoje representa sua autonomia.
5
Atualmente
Karen estuda Nutrição e constrói uma nova trajetória profissional, com novos sonhos e perspectivas.
O afastamento do trabalho foi um momento delicado e doloroso. A sala de aula era um lugar de pertencimento, de trocas vivas, de identidade profissional. Quando os sintomas passaram a impedir tarefas simples como escrever ou manter-se em pé diante dos alunos, Karen sentiu que algo dentro dela também paralisou. Por um tempo, viveu uma espécie de luto. "Eu sentia que estava sendo deixada para trás. Me perguntava: como eu vou continuar sendo útil?"
A resposta não veio de imediato. Mas, aos poucos, ela foi sendo desenhada com a ajuda de quem a cercava. O marido, percebendo seu interesse crescente por saúde e alimentação, sugeriu que ela transformasse essa curiosidade em um novo projeto de vida. A ideia de estudar Nutrição, que inicialmente parecia distante, passou a fazer sentido. E com ela, vieram novas perspectivas, novos sonhos.
Hoje, Karen é estudante de Nutrição e se dedica com seriedade e carinho à nova trajetória. Conta que a faculdade também é um espaço de superação diária. Há desafios físicos, como a acessibilidade em alguns ambientes, mas há também o desafio emocional de se colocar, novamente, no papel de aprendiz. "Voltar a estudar foi difícil, não por causa da disciplina, mas por causa da coragem. Precisei me lembrar de que ainda posso recomeçar, mesmo depois de tudo."
Ela faz uso do Ocrelizumab, um medicamento aplicado a cada seis meses e essencial no controle da progressão da doença. Para ter acesso, precisou entrar com ação judicial. Ainda assim, faz questão de lembrar que o SUS teve um papel crucial em sua trajetória. "É um sistema que, apesar de todas as dificuldades, acolhe. E isso é algo que a gente precisa defender."
A rotina atual é construída com afeto, ajustes e paciência. Karen cuida da casa, dos animais de estimação, dos estudos e, principalmente, de si mesma. Acorda com calma, respeitando os sinais do corpo, organiza tarefas com pausas e apoios, e tenta manter uma rotina ativa sem ultrapassar seus limites. Fisioterapia e autocuidado fazem parte do dia a dia. "Tudo exige mais tempo. Mais organização. Mas também mais presença. Você passa a viver com mais consciência."
A saúde mental, ao contrário do que muitos imaginam, nunca foi gravemente afetada. Karen procurou terapia por escolha, não por colapso. "Não precisei de remédios, mas precisei de escuta. E a terapia me deu isso. Um espaço para me reorganizar por dentro."
A espiritualidade, mesmo sem vínculos religiosos específicos, é uma das bases que sustentam sua jornada. Ela descreve sua fé como uma conexão íntima com algo maior, que a mantém em pé nos momentos difíceis. "Não tenho rituais definidos. Mas tenho fé. E ela me sustenta. Acredito que a vida tem um sentido, mesmo quando não consigo enxergar na hora. É essa fé que me reconecta comigo mesma quando tudo parece desmoronar."
Raro do mês (conclusão)
Sua rede de apoio é sólida. O marido, a família, os amigos e os profissionais que a acompanham fazem parte de um alicerce que sustenta os dias bons e os difíceis. Esse suporte, segundo ela, é uma forma de amor que transforma a maneira como se vive o diagnóstico. "Estar cercada de quem cuida e acredita em você muda tudo. É o que me fortalece."
Mesmo não tendo passado por episódios explícitos de preconceito, Karen reconhece o capacitismo disfarçado nas entrelinhas. Lembra de quando ouviu de um médico que talvez fosse melhor esconder a doença para evitar discriminação. "Isso me doeu. Me fez enxergar como o preconceito pode estar embutido até em orientações que parecem bem-intencionadas. Às vezes ele não grita. Ele se insinua. E machuca do mesmo jeito."
Ela não se calou. Decidiu compartilhar sua vivência com autenticidade. Não para se vitimizar, mas para mostrar que viver com uma condição crônica também é viver com potência, com dignidade e com escolhas. "A EM me transformou. Hoje eu me conheço mais. Tenho um senso crítico mais apurado, sou mais sensível, mais firme. Aprendi a escutar o meu corpo. E aprendi, também, a escutar o outro."
Aceitação
Para quem acabou de receber o diagnóstico, sua mensagem é direta: respira. "No início tudo parece assustador. Mas vai fazer sentido. A vida não acaba no diagnóstico. Ela recomeça. E às vezes, recomeça com mais verdade."
Conexão
"Aos leitores da Revista Raros, quero deixar uma mensagem de esperança e conexão. Independentemente da condição que cada um enfrenta, todos nós temos desafios, todos carregamos dores e vitórias que nos transformam. Não estamos sozinhos."
Esperança
"Esta revista é um elo entre nós, uma ponte que nos aproxima e nos fortalece. Que possamos, através dessas histórias, nos apoiar, nos acolher e dividir não só as dificuldades, mas também as alegrias, os aprendizados e a força que nasce da vulnerabilidade."
"Agradeço imensamente por poder compartilhar um pouco da minha trajetória aqui. Que ela sirva como um sopro de coragem, e que sigamos todos de mãos dadas, acreditando que, apesar de tudo, a vida vale e muito ser vivida."
Mesmo sem ter escolhido essa condição, Karen escolheu o que fazer com ela. Escolheu o cuidado, a escuta, a reinvenção. E é com essa escolha diária que ela segue construindo, com firmeza e doçura, uma nova história. Agora com a Esclerose Múltipla como parte, mas jamais como fim.
Lifestyle
Movido pela mente: a trajetória de Ricky Ribeiro com a ELA e a mobilidade urbana
Por Gisele Pekelman
Luiz Henrique da Cruz Ribeiro, conhecido como Ricky Ribeiro, tem 44 anos, mora em São Paulo (SP) e é administrador público, mestre em Sustentabilidade e fundador do Mobilize Brasil — o primeiro portal brasileiro dedicado exclusivamente à mobilidade urbana sustentável. Ele também atua como colaborador da Ernst & Young, com foco em responsabilidade social corporativa. Foi diagnosticado com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) em 2008, aos 28 anos. Desde então, perdeu todos os movimentos voluntários do corpo, a fala e a respiração autônoma. Mas nada disso o impediu de continuar escrevendo, dando aulas, palestrando, coordenando projetos — e vivendo com propósito.
"Estou com ELA há 17 anos, 15 sem movimentos, 13 com traqueostomia. Trabalho, namoro, faço palestras e tenho um blog."
Quando se fala em ELA, muitos ainda confundem com outras doenças neurológicas. Outros tantos sequer sabem do que se trata. Ricky juda a transformar esse cenário com informação qualificada, senso crítico e presença ativa. Sua trajetória é exemplo de protagonismo que não recorre à superação como narrativa, mas à coerência entre o que pensa, sente e constrói.
A história que você lê a seguir foi construída a partir de uma longa entrevista concedida por ele à Revista Raros. Todas as falas são dele. O que você lê em voz natural foi escrito com os olhos — letra por letra, palavra por palavra — com o auxílio de um leitor óptico e um teclado virtual.
1
2008
Rick recebe o diagnóstico de ELA aos 28 anos, após sete meses de sintomas iniciais.
2
Adaptação
Volta para São Paulo, se afasta do trabalho e retoma a fotografia como hobby, viajando para registrar experiências.
3
Mobilize Brasil
Cria o primeiro portal brasileiro dedicado exclusivamente à mobilidade urbana sustentável.
4
2012
Passa a viver com traqueostomia e ventilação mecânica.
5
2015
Retorna à Ernst & Young, atuando em projetos de sustentabilidade e cidades inteligentes.
Lifestyle (continuação)
Ricky recebeu o diagnóstico de ELA em setembro de 2008, mas os sintomas começaram cerca de sete meses antes. Na época, morava sozinho em Recife e levava uma vida bastante ativa, conciliando trabalho e prática esportiva. O momento mais difícil não foi o anúncio feito pelo médico, mas o que veio depois.
"Quando cheguei em casa e pesquisei sobre a doença, tudo que encontrei era muito negativo. Expectativa de vida de dois a cinco anos, dificuldades respiratórias, ausência total de comunicação. Chorei diversas vezes. Mas, na manhã seguinte, fui à academia. As lágrimas escorriam junto com o suor. E ali mesmo eu decidi: iria buscar todo tipo de tratamento e aproveitar a vida enquanto pudesse."
A presença dos pais e dos amigos foi essencial nesse início. Cercado por pessoas queridas, ele passou a pensar menos na doença e mais nas possibilidades reais — de cuidar da saúde, de continuar ativo e de seguir fazendo o que ama.
Com o diagnóstico, voltou para São Paulo e se afastou do trabalho para se dedicar integralmente a tratamentos. Nesse período, decidiu retomar um hobby antigo: a fotografia. Viajou com a irmã pela costa brasileira, visitou familiares no Uruguai e registrou cenas que talvez não pudesse mais fotografar no futuro.
"Com a perda gradual de força muscular, queria fazer atividades que logo deixariam de ser possíveis. Fiz muitas viagens. Revivi experiências. Fui sentindo a vida mudar."
Foi nesse processo que o olhar se voltou com mais atenção à acessibilidade urbana. O uso de andador e, depois, da cadeira de rodas, escancarou uma série de obstáculos nas calçadas e no transporte público — muitos deles invisíveis para quem anda sem pensar duas vezes onde pisa.
Diferente de quem sofre um trauma súbito, Ricky teve tempo para se adaptar às limitações progressivas. Cada etapa trouxe um desafio, mas também abriu uma brecha para a reinvenção. Um dos conselhos mais valiosos veio do médico que o acompanhava: não sofrer por antecipação.
"Passei a viver o presente. Aprendi a conviver com as limitações e ser feliz assim. Acredito que esse seja o segredo. Não penso nas coisas que deixei de fazer, mas nas novas que posso realizar."
Esse olhar prático e, ao mesmo tempo, sensível, o levou a criar o Mobilize Brasil — um projeto que começou como ideia e rapidamente se transformou em referência nacional em mobilidade urbana sustentável.
Lifestyle (continuação)
Após seis anos afastado da Ernst & Young, Rick retornou à empresa em 2015, com atuação interna em sustentabilidade e, depois, em projetos ligados a cidades inteligentes. Paralelamente, manteve o Mobilize ativo e passou a escrever com mais frequência. No início, relutava em contar sua própria história. Mas o convite da escritora Gisele Mirabai mudou isso.
"Muita gente dizia que eu devia escrever um livro sobre minha vida. Só aceitei quando conheci a Gisele. Escrevi os relatos e ela transformou em literatura. Assim nasceu 'Movido pela Mente'. E eu peguei gosto pela escrita."
Desde então, escreveu capítulos de livros, boletins semanais para rádio, prefácios e artigos diversos. Em 2023, publicou uma versão atualizada de Movido pela Mente e lançou seu blog pessoal rickyribeiro.com.br, onde escreve sobre temas como acessibilidade, tecnologia assistiva e vida com ELA.
Nova relação com o tempo
A ELA não compromete a mente, mas exige mudanças na forma de viver. Rick destaca como sua relação com o tempo mudou drasticamente. Hoje, não vive pelo relógio, mas pela profundidade do que consegue realizar. "Meu banho pode durar três horas. Escrevo o que outros diriam em segundos. Mas também trabalho doze horas por dia. Porque não preciso parar para comer, e o computador é meu espaço de ação."
Comunicação
Perder os movimentos foi, sem dúvida, um desafio. Mas perder a fala — segundo ele — foi a parte mais difícil. Fora do computador, a comunicação só acontece com quem domina suas tabelas de comunicação ou compreende seus sinais. "A mente continua minha. E sem distrações do corpo, tenho ainda mais tempo para pensar, criar e planejar."
Tecnologia assistiva
Ricky vive com traqueostomia desde 2012. Respira com a ajuda de um ventilador mecânico. Usa também oxímetro, aspirador, aparelho para inalação e um equipamento que simula a tosse. Todos os comandos — dentro e fora de casa — são dados por voz digital, usando o programa Text Aloud integrado à Alexa. Ele acende e apaga luzes, liga a TV, organiza o ambiente e controla até portas e janelas.
"Sem tecnologia, eu não estaria vivo. O ventilador faz a função dos pulmões. A cadeira motorizada são minhas pernas. O leitor óptico funciona como os dedos. E o software de voz é minha fala."
Lifestyle (conclusão)
Na rua, os desafios são outros. A cadeira motorizada que usa pesa 200 kg. Poucas calçadas permitem sua circulação. Ir a um novo local exige que alguém vá antes, filme o acesso e confirme se o espaço é viável.
"Quando a cidade nos exclui, a deficiência não está na pessoa. Está na má gestão pública."
A Ernst & Young, segundo Ribeiro, é um exemplo positivo. O ambiente é acessível e a equipe diversa. Ele atua ao lado de profissionais com diferentes tipos de deficiência. Mas faz uma ressalva importante: inclusão não é favor, é estratégia.
"Com adaptações, flexibilidade e capacitação, as empresas ganham. A diversidade de experiências e visões gera inovação. Mas é preciso mudar a lógica: valorizar competências, não apontar limitações."
Fora do ambiente corporativo, o caminho ainda é longo. A falta de preparo em diferentes setores dificulta o acesso de pessoas com deficiência a direitos básicos, como mobilidade, cultura e lazer.
Nada do que Ricky construiu seria possível sem sua rede de apoio. Ele é o primeiro a reconhecer. Pais, irmã, amigos, profissionais da saúde — todos têm papel fundamental na trajetória. A mãe deixou o trabalho para cuidar dele. O pai, médico, foi essencial nos momentos mais críticos. A irmã voltou da Europa para acompanhá-lo. Amigos organizaram campanhas, viabilizaram tratamentos, deram suporte técnico e afetivo.
"Um amigo deu ao filho o nome de Henrique, em minha homenagem. Outro me convidou para ser padrinho. Minha namorada Sol, hoje, é uma das minhas maiores inspirações."
Sol se tornou parte da rotina e não apenas como cuidadora. A relação afetiva entre os dois cresceu junto com a confiança e o vínculo diário. Ricky fala sobre ela com carinho, leveza e muito respeito.
"O cotidiano com a Sol não é idealizado. Temos dificuldades, como qualquer casal. Mas também temos planos, desejos e uma história linda. Ela é sensível, prática, divertida e muito amorosa. Como parte do que me mantém vivo."
Ricky não pensa em deixar um legado como algo distante. Ele já vê isso em movimento. Com o Mobilize, influenciou políticas públicas. Com seus textos, alcançou pessoas com ELA, familiares, profissionais da saúde, gestores e curiosos.
"Sinto-me realizado. Fiz coisas que muita gente sem limitações não fez. E quero continuar, por muitos anos, com a mente ativa e produtiva."
Sua mensagem para quem está começando essa caminhada é clara:
"Não desista. Com força de vontade e uma rede de apoio, é possível superar obstáculos, realizar sonhos e impactar o mundo."
"A força não vem da capacidade física, mas de uma vontade indomável." — Mahatma Gandhi
"Sou movido pela mente. E pelo coração." — Ricky Ribeiro
Fala Dr. Guilherme
Desvendando Caminhos: Carta aberta sobre o Diagnóstico da Esclerose Múltipla
Imagine que o diagnóstico da Esclerose Múltipla (EM) é como montar um quebra-cabeça complexo, onde cada peça é uma informação crucial sobre sua saúde. Às vezes, as peças parecem não se encaixar de imediato, e a imagem final demora um pouco a se formar. É assim que muitos pacientes (e também médicos) se sentem quando estão frente a esse diagnóstico.
Quando você tem a suspeita de uma pneumonia? Faz uma radiografia do pulmão e confirma ou descarta. Quando tem a suspeita de diabetes? Faz alguns exames de sangue e lá está a resposta. Mas quando a suspeita é de EM muitos já tiveram a experiência de realizar exames, conversas, investigações e parece que não sai escrito em nenhum papel o que o paciente tem…
Se você está trilhando essa jornada, ou conhece alguém que está, saiba que não está sozinho. Em nossa conversa, vamos desvendar os caminhos desse processo.
Os Primeiros Sinais: Quando o Corpo Pede Atenção
Costumo chamar a EM da doença das mil faces.
Tudo pode começar como um sussurro do corpo. Uma fadiga que não passa, uma visão que de repente fica turva, formigamentos que vêm e vão, ou um desequilíbrio que teima em aparecer. São como pequenos sinais piscando no painel, indicando que algo merece uma investigação mais atenta. Às vezes os sintomas não começam tão sutilmente… os sintomas principais da doença são formigamentos persistentes, perda de força em membros, desequilíbrio ou perda visual.
Veja que são sintomas diversos, por isso mil faces. E após mais de 15 anos atendendo pacientes continuo recebendo relatos de sintomas que nunca ouvi antes.
O primeiro passo, e talvez um dos mais corajosos, é ouvir esses sinais e buscar um neurologista. Pense nesse especialista como um detetive, pronto para juntar as pistas.
A Investigação Diagnóstica: Juntando as Peças do Quebra-Cabeça
O diagnóstico da EM não se baseia em um único teste mágico. Ele é construído sobre alguns pilares fundamentais, como se estivéssemos reunindo evidências para solucionar um mistério intrigante.
Fala Dr. Guilherme (continuação)
A Conversa Detalhada (Anamnese)
Aqui, sua história é a protagonista. Cada sintoma, cada sensação, por menor que pareça, é uma peça valiosa. O médico irá explorar seu histórico de saúde, o padrão dos sintomas – quando começaram, como evoluíram. É um diálogo franco, onde a confiança é a chave.
O Exame Neurológico Detalhado
Pense nisso como um "mapa" das suas funções neurológicas. O médico testará seus reflexos, força, coordenação, sensibilidade e visão. É uma forma de identificar possíveis áreas do sistema nervoso que podem estar sinalizando algo.
Ressonância Magnética (RM)
Este é, sem dúvida, um dos exames mais importantes. A RM nos permite "ver" o cérebro e a medula espinhal em busca de lesões (áreas de inflamação ou cicatrizes) características da EM. Imagine que estamos tirando fotografias de alta precisão que revelam a atividade da doença.
Potencial Evocado
Este exame mede a velocidade com que os sinais nervosos viajam por certas vias. Se houver uma lentidão, pode indicar que a mielina (a capa protetora dos nervos, afetada na EM) está comprometida.
Análise do Líquor
Realizada através de uma punção lombar, a análise das bandas oligoclonais no líquor pode revelar sinais de inflamação no sistema nervoso central. Sabemos que a ideia da punção pode gerar apreensão, mas ela pode ser uma peça decisiva para confirmar o diagnóstico em alguns casos, especialmente para descartar outras condições.
Os Desafios no Percurso: Por Que Às Vezes Demora?
É comum sentir uma certa ansiedade durante o processo diagnóstico, e é importante entender por que ele pode ser demorado ou ter seus obstáculos:
  • A EM é uma "imitadora": Muitos sintomas iniciais da EM podem se assemelhar aos de outras condições, o que exige uma investigação cuidadosa para descartar outras possibilidades.
  • A natureza dos surtos: Os sintomas podem aparecer em surtos, com períodos de melhora entre eles. Isso pode tornar mais difícil conectar os pontos inicialmente.
  • Critérios diagnósticos: Existem critérios específicos (como os Critérios de McDonald) que precisam ser preenchidos para um diagnóstico seguro, e isso envolve tempo e a combinação de diferentes achados.
Lembre-se: cada passo, mesmo que pareça pequeno, está te movendo em direção a uma resposta.
Curiosidade:
O Professor Charcot foi um neurologista no século XIX que descreveu pela primeira vez a EM. Ele nos deu a chave-mestra: a EM se manifesta com disseminação no tempo e no espaço. Um conceito que, até hoje, é nosso norte.
Pense na disseminação no tempo como um eco: a EM é crônica porque o sistema imunológico guarda um "erro de script", sinalizando que novos eventos podem surgir. Já a disseminação no espaço mostra que, por ser uma questão do sistema imunológico, a EM pode "pintar" seus sinais em diversas áreas do sistema nervoso central, não apenas em um ponto.
No ano passado, ganhamos ferramentas ainda mais potentes com novos critérios diagnósticos, incluindo análises avançadas de ressonância que revelam detalhes como lesões ao redor de veias cerebrais e presença de anéis paramagnéticos que são específicos das lesões da EM. Mas o mais interessante é que, mesmo com tanta inovação, as regras de Charcot sobre tempo e espaço continuam sendo a base sólida que nos guia.
Fala Dr. Guilherme (conclusão)
Passos Essenciais e Limitações: Olhando com Clareza
Equipe Especializada
Contar com um neurologista com experiência em EM é fundamental. Ele será seu guia nessa jornada.
Paciência e Persistência
O processo pode exigir paciência. Não desanime.
Comunicação Aberta
Mantenha um diálogo franco com seu médico. Anote suas dúvidas, compartilhe suas preocupações.
É verdade que ainda não temos um teste único e instantâneo. A ciência avança, mas o diagnóstico ainda é um processo de montagem cuidadosa. A principal limitação é justamente a necessidade de juntar múltiplas evidências e, por vezes, observar a evolução dos sintomas ao longo do tempo.
Perspectivas de Futuro: Um Horizonte de Esperança
O campo do diagnóstico da EM está em constante evolução. Pesquisas buscam biomarcadores mais precisos, técnicas de imagem mais avançadas e formas de identificar a doença ainda mais cedo. A cada ano, compreendemos melhor os mecanismos da EM, o que abre portas para diagnósticos mais rápidos e tratamentos mais eficazes.
O diagnóstico, embora possa ser um momento desafiador, é também o ponto de partida para o cuidado, para o manejo dos sintomas e para a busca de uma vida plena e ativa. Ele não define quem você é, mas oferece ferramentas para que você siga em frente com mais conhecimento e poder sobre sua saúde.
Pense no diagnóstico não como um ponto final, mas como a abertura de um novo capítulo, onde você, munido de informação e apoio, é o protagonista da sua história. Você pode escolher escrever páginas de resiliência, adaptação e saúde. E nós da revista RAROS estaremos aqui, torcendo e caminhando ao seu lado.
Guilherme Sciascia do Olival
Histórias
Esclerose Lateral Amiotrófica: o desafio, o cuidado e a dignidade no olhar do Dr. Acary
Dr. Acary Souza Bulle Oliveira é um dos principais especialistas em Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) no Brasil. Natural de Monte Azul Paulista (SP), é graduado em Medicina (1981), mestre (1988) e doutor (1990) em Neurologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), com pós-doutorado na Universidade Columbia, em Nova York.
A conversa com ele trouxe um panorama profundo, técnico e ao mesmo tempo humano sobre a ELA. Logo de início, o Dr. Acary destacou que a ELA é uma condição que impacta progressivamente os neurônios motores, levando à perda de força muscular e, com o tempo, a uma série de comprometimentos funcionais.
Embora a ELA seja tecnicamente classificada como uma doença de baixa prevalência e alto impacto, ela não se enquadra nos critérios brasileiros para doenças raras — que consideram uma prevalência de até 65 pessoas a cada 100 mil habitantes. Segundo ele, "existem cerca de 15 mil pessoas com ELA no Brasil", número que tende a crescer com o avanço dos métodos diagnósticos e o envelhecimento populacional. Esse ponto causou estranhamento, e precisei perguntar: mas como pode uma doença tão grave, com tão poucos casos no país, não ser considerada rara?
A resposta está justamente na forma como o critério é definido — não por números absolutos, mas por uma razão percentual. Como jornalista, achei importante trazer essa explicação, porque a ausência de políticas públicas voltadas à ELA muitas vezes parte dessa "não classificação", mesmo que o impacto real da doença seja gigantesco para quem convive com ela.
"Ainda existe um tempo de latência grande entre os primeiros sintomas e o diagnóstico", afirmou. "Em geral, esse tempo gira entre 9 meses e 1 ano e meio, o que pode fazer diferença importante para o acompanhamento e planejamento de vida."
A conversa seguiu com uma explicação clara sobre o processo de diagnóstico da doença. Dr. Acary enfatizou que ele é essencialmente clínico, baseado na história do paciente e no exame neurológico detalhado. "Não existe um biomarcador sanguíneo. A ELA é diagnosticada pela clínica, pelo exame neurológico e pela exclusão de outras doenças."
Os primeiros sinais, segundo ele, são frequentemente confundidos com outras condições. A pessoa pode começar a apresentar fraqueza assimétrica, perda de força em um membro, fasciculações (pequenas contrações involuntárias) ou até dificuldades na fala e na deglutição. Por isso, é comum que o diagnóstico leve tempo para ser estabelecido com precisão.
Histórias (continuação)
Durante a entrevista, pergunto: na esclerose múltipla, a maioria dos casos acomete mulheres. E na ELA, existe uma predominância entre homens ou mulheres?
Ele responde com naturalidade: "É o contrário. Na ELA, há uma predominância de homens sobre mulheres. A proporção gira em torno de 3 para 2. Talvez isso tenha alguma relação com fatores androgênicos e a resposta neuromotora. Eu vejo muito mais homens do que mulheres."
Dr. Acary também ressalta que, com o aumento da expectativa de vida, há uma tendência de crescimento do número de casos. Esse crescimento não significa que a doença esteja se tornando mais frequente entre os idosos, mas sim que a longevidade tem permitido que mais pessoas cheguem ao diagnóstico em idade avançada — algo que, décadas atrás, era menos comum.
Em seguida, ele descreveu os diferentes tipos clínicos da doença. A lista abaixo, organizada em forma jornalística, foi estruturada com base em suas explicações durante a entrevista:
Forma clássica
Afeta neurônios motores superiores e inferiores; é a mais comum
Forma bulbar
Inicia com alterações na fala e deglutição
Forma axial
Manifesta-se inicialmente no tronco
Forma respiratória
Começa com comprometimento da musculatura respiratória
ELA juvenil
Rara, surge antes dos 25 anos
ELA familiar
Representa cerca de 10% dos casos
ELA com demência frontotemporal associada
Está relacionada à mutação no gene C9orf72
Apesar das variações clínicas, ele destacou que, na maioria dos casos, a cognição se mantém preservada. "Tem um terço das pessoas que pode ter algum comprometimento cognitivo, mas veja, por exemplo, a Lady. Zero de comprometimento. Ela criou, significou, estruturou, reinventou. É uma conversa que te transforma."
Histórias (conclusão)
Nesse momento, Dr. Acary compartilhou uma lembrança especialmente marcante. Ele mencionou a escritora Lady Moreira, que viveu com ELA e chegou a publicar livros de poesia utilizando apenas o movimento dos olhos. "Ela estava tetraplégica, disfágica, sem fala. Se comunicava apenas com os olhos. E com o olho esquerdo, ela escreveu cada letra — letra por letra — dos poemas. Isso não é pouca coisa."
Ele guarda um dos livros de Lady com carinho. "Eu recebi da filha dela, junto com a cabeceira onde ela escrevia. E todos os dias eu abro esse livro, escolho uma poesia e leio. É como um mantra. Aquilo me ajuda a pensar, a sentir, a escutar melhor."
Uma das poesias lidas por ele começa assim:
"João casou com Maria / como manda o figurino…"
E ele conclui, com um olhar que carrega mais do que medicina: "A poesia dela fala comigo até hoje. E me lembra o quanto ainda temos de capacidade. Porque o que é, afinal, a incapacidade?"
Sobre os tratamentos atuais, o médico explicou que não há cura para a ELA, mas existem medicações aprovadas que buscam desacelerar a progressão da doença. Com base nas informações levantadas durante a produção jornalística desta edição, seguem abaixo, de forma simplificada, as três principais:
Riluzol
Primeiro medicamento aprovado no mundo para ELA; pode ajudar a prolongar a vida em estágios iniciais
Edaravona
Atua como antioxidante; busca proteger os neurônios e desacelerar a progressão
Tofersen
Indicado para casos com mutação genética específica (SOD1); recente, com resultados promissores em subgrupos
Essas informações não foram fornecidas diretamente por Dr. Acary, mas organizadas com base em fontes confiáveis e divulgadas em conjunto com a entrevista para ampliar o entendimento do leitor.
Mais do que o protocolo, o que faz a diferença no cuidado de quem vive com ELA é o que se constrói no dia a dia — com presença, escuta e respeito. É na rotina, nos vínculos, nos pequenos gestos de atenção, que a dignidade encontra espaço para continuar existindo mesmo em meio às perdas.
Ao longo da produção desta edição, ficou evidente que cuidar de alguém com ELA exige mais do que técnica. Exige uma escuta ativa, uma presença real, uma abertura para lidar com o ritmo de cada pessoa — com seus limites, mas também com seus desejos, com sua identidade, com aquilo que permanece mesmo quando o corpo já não responde da mesma forma.
E se há algo que essa conversa com o Dr. Acary deixa como legado, é justamente isso: a necessidade de mudar o olhar. Porque, no fundo, a pergunta mais importante talvez seja essa como ele mesmo nos lembrou:
"O que é, afinal, ser capaz?"
"Não são as pessoas que são deficientes. São os espaços, as cidades, as estruturas. Elas é que são deficientes."
Conexão Raros
Associação Pró-Cura da ELA: acolhimento, dignidade e esperança para pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica
Com sede em São Paulo, na Rua Dr. Diogo de Faria, 775 – sala 114, na Vila Clementino, a Associação Pró-Cura da ELA atua há mais de uma década na defesa dos direitos, no apoio prático e na orientação de pessoas com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) em todo o Brasil. Fundada em 26 de junho de 2013 por Jorge Abdalla, sua esposa Christina Abdalla, e um grupo de pacientes, familiares e profissionais de saúde, a associação nasceu do desejo de transformar o cuidado com a ELA em algo mais humano, acessível e contínuo.
A motivação foi profundamente inspiradora: Alexandra Szafir, diagnosticada com ELA, manifestou o desejo de ajudar outras pessoas a manterem sua autonomia de comunicação por meio do Tobii, um rastreador ocular essencial quando a fala e os movimentos desaparecem. O gesto de Alexandra sensibilizou Jorge e Christina — que não tinham vínculo familiar com a doença, mas se envolveram intensamente com sua causa. Da admiração, nasceu uma missão.
Desde então, a Pró-Cura da ELA tem se dedicado a garantir tempo e qualidade de vida a pessoas com ELA e suas famílias, oferecendo acolhimento social, orientação sobre direitos, doações de insumos, empréstimo de equipamentos e suporte emocional. Sua atuação não se limita a São Paulo — ela alcança todo o território nacional, com atendimentos presenciais, por telefone e principalmente via WhatsApp.
A associação conta com uma equipe de assistentes sociais especializadas, que fazem do atendimento um processo de escuta, respeito e cuidado. E, para que esse cuidado se concretize de forma efetiva, a Pró-Cura mantém uma série de projetos ativos e transformadores.
Projetos que viram pontes
Programa Acolher para Incluir
É um dos pilares do atendimento, oferecendo suporte presencial e à distância, com foco na autonomia dos pacientes e na conscientização sobre seus direitos.
Projeto Famílias em Ação
Se destaca como uma rede de trocas e apoio mútuo, com quase 30 mil inscritos no grupo de Facebook, dos quais mais de 10 mil são ativos. É um espaço de convivência, troca de experiências e fortalecimento de vínculos.
Projeto Café com Família
Promove visitas domiciliares para mapear vulnerabilidades e criar pontes entre as famílias e os recursos locais de saúde e assistência, especialmente nas regiões da Grande São Paulo e do ABC Paulista.
Conexão Raros (continuação)
Projeto Comunicação Inclusiva
Disponibiliza gratuitamente o rastreador ocular Tobii a pacientes que perderam a fala e não têm condições financeiras de adquirir o equipamento. A comunicação, afinal, é o que ainda conecta a pessoa com ELA ao mundo — e essa conexão não pode ser rompida.
Projeto Porta a Porta
Faz o envio de materiais, como BiPAPs, ventiladores de suporte à vida e assistentes de tosse, diretamente às casas dos pacientes, por correio ou transportadora. A ideia é simples e poderosa: fazer com que tudo o que a pessoa com ELA precisa para viver com dignidade chegue o mais rápido possível.
Projeto ELA nas Ruas
Leva informação à sociedade, sensibilizando e conscientizando a população através de parcerias com grupos de motociclistas e outras organizações. O movimento extrapola os muros da instituição e coloca a ELA no centro do debate público.
Por fim, a associação também investe na formação de profissionais de saúde com o programa Atualização em ELA, oferecendo capacitações em universidades, hospitais, UBS e serviços de home care.
Como ajudar
Há diversas maneiras de apoiar a Associação Pró-Cura da ELA:
  • Atuando como voluntário(a) em eventos, campanhas, ações de arrecadação ou no suporte às atividades na sede;
  • Tornando-se Representante Estadual da associação para apoiar pacientes e famílias da sua região;
  • Cadastrando-se como Anjo da Pró-Cura, com doações mensais a partir de R$ 10,00, por meio do site: www.procuradaela.org.br, na página "Doe Aqui";
  • Adquirindo o livro Na Estrada da Vida, escrito por Fábio Carvalho, paciente com ELA que doou 100% da renda à associação. O valor é de R$ 200,00 + R$ 25,00 de correio, disponível em: procuradaela.org.br/o-livro-na-estrada-da-vida-como-adquirir;
  • Doando equipamentos e insumos, que são repassados diretamente aos pacientes com ELA atendidos pela associação.
Conexão Raros (conclusão)
Um compromisso que vai além da cura
Ao longo desses anos, a associação tem se mantido firme graças à dedicação dos seus fundadores, ao trabalho de sua equipe e à confiança de centenas de famílias. Atualmente, sob a presidência de Lina Rose Galvão Pádua, a Pró-Cura da ELA segue seu caminho com uma convicção clara: ainda que a cura não tenha chegado, o cuidado, a dignidade e a esperança não podem esperar.
A frase institucional da entidade resume essa força coletiva com delicadeza e coragem: "Juntos somos mais fortes. Nossa força nos fará perseverar, aguardando a cura com a esperança inabalável em nossos corações."
10+
Anos de atuação
Dedicados à defesa dos direitos e ao apoio de pessoas com ELA em todo o Brasil
30K
Inscritos
No grupo de Facebook "Famílias em Ação", criando uma rede nacional de apoio e informação
100%
Comprometimento
Com a dignidade e qualidade de vida das pessoas com ELA, enquanto a cura não chega
📍 Endereço da Sede
Rua Dr. Diogo de Faria, 775 – 11º andar, Conjunto 114 – Vila Clementino – São Paulo – SP – CEP 04037-002
📞 Tel: +55 11 2659-7912
📱 Cel: +55 11 94208-0123 | +55 11 97464-5661
📧 E-mails: contato@procuradaela.org.br | asocial@procuradaela.org.br
🌐 Site: www.procuradaela.org.br
📱 Instagram: @procuradaela
📘 Facebook: Grupo Pró-Cura da ELA
Questionário respondido por Élica Fernandes – Assistente Social Responsável
Matéria escrita por Giselle Pekelman
Interdisciplinar
Quando o corpo escuta, a vida responde
Reabilitação que começa na escuta, passa pela ciência e devolve sentido ao movimento
Por André Dallaserra
Vice-presidente da Appraros (Associação Portuguesa Polio e Raros)
Diretor científico da revista Sppolio
Nem sempre o movimento começa com o corpo. Às vezes, começa com a escuta. É assim que André Dallaserra, educador físico com base em São Paulo (SP), inicia seu trabalho de reabilitação com pessoas que convivem com doenças neuromusculares, incluindo diagnósticos raros e severos. Atuando de forma independente, André realiza atendimentos personalizados em academias, residências e outros espaços adequados à realidade de cada paciente. Mas, independentemente do local, o que move seu trabalho é a mesma convicção: todo corpo merece uma chance de recomeçar e toda história merece ser respeitada.
Com mais de 36 anos de experiência como personal trainer, Dallaserra desenvolveu uma abordagem própria, técnica e sensível ao mesmo tempo. Seus atendimentos seguem um protocolo preciso: aferição de pressão arterial, saturação de oxigênio e frequência cardíaca são realizadas em todos os encontros. Na sequência, ele busca entender o cotidiano da pessoa como ela vive, quais dificuldades enfrenta, o que sente. Quando o paciente não se comunica verbalmente, ele adapta a interação criando códigos de sinalização específicos.
Essa etapa de conversa e escuta ativa é acompanhada por uma avaliação personalizada — o que ele chama de "anamnese", ou seja, uma investigação detalhada sobre o histórico da condição: quando começaram os sintomas, como progrediram, se houve algum fator desencadeante. "Essa parte é essencial para entender tanto os aspectos físicos quanto emocionais, e identificar exatamente por onde começar."
A avaliação continua com testes de força, mobilidade e, em casos de limitações mais severas, com eletroestimulação para detectar se ainda há atividade neuromuscular. Isso permite iniciar o tratamento mesmo quando o movimento voluntário não está presente.
Mas trabalhar com doenças raras exige mais do que sensibilidade: exige conhecimento profundo. "Algumas patologias, como a síndrome pós-pólio, têm uma reserva energética muito limitada. Se o profissional ultrapassar esse limite, mesmo que o paciente aparente conseguir executar os exercícios, o efeito pode ser o oposto do desejado. Pode haver dor intensa por dias e até piora do quadro. Por isso, o cuidado precisa ser extremo."
Interdisciplinar (continuação)
Avaliação inicial
Aferição de sinais vitais, anamnese detalhada e escuta ativa para compreender a história e as necessidades do paciente.
Testes específicos
Avaliação de força, mobilidade e, quando necessário, eletroestimulação para detectar atividade neuromuscular residual.
Plano personalizado
Desenvolvimento de um programa de exercícios totalmente adaptado às capacidades e limitações individuais.
Acompanhamento contínuo
Monitoramento constante das respostas físicas e emocionais, com ajustes frequentes no programa.
Integração multidisciplinar
Trabalho em conjunto com outros profissionais de saúde para uma abordagem completa e coerente.
O acompanhamento é contínuo, e cada progresso, por menor que pareça, é reconhecido. André observa não só as respostas físicas, mas também a percepção do próprio paciente. "Quando ele nota que um movimento antes impossível começa a acontecer, mesmo que de forma sutil, o tratamento ganha outro significado. A evolução precisa ser sentida, compreendida. E para isso, o profissional precisa saber explicar, criar metas realistas e ajustar o plano sempre que necessário."
Essa adaptação é constante. Dois pacientes com o mesmo diagnóstico podem reagir de formas completamente diferentes aos mesmos estímulos. Por isso, ele insiste: não há fórmula pronta. "A reabilitação precisa ser feita sob medida. O que serve para um pode prejudicar outro. Cada corpo tem seu tempo."
Nos últimos anos, André Dallaserra tem integrado à sua prática o chamado "quarto pilar da reabilitação": o fator transdisciplinar. Para ele, isso significa ir além do físico. "É o acreditar. A vibração positiva. Não estou falando de religião estou falando de fé como energia vital. Estudos apontam que a glândula pineal, que possui propriedades eletromagnéticas, pode ativar respostas celulares importantes quando estamos em um estado de crença e positividade. Essa força interna ajuda o corpo a se reorganizar."
Esse olhar integral também se reflete no trabalho em equipe. Dallaserra defende que uma reabilitação de verdade exige uma equipe interdisciplinar ou seja, que não apenas reúna diferentes profissionais, mas que todos atuem em conjunto, discutam o caso, estudem o paciente e compartilhem decisões. "A troca entre os saberes é o que faz a diferença na prática. Cada sessão precisa ser pensada com base no que estamos observando e sentindo juntos."
Interdisciplinar (conclusão)
Entre os muitos casos que marcaram sua trajetória, André relembra dois em especial. O primeiro, um paciente diagnosticado com ELA que chegou sem qualquer movimento dos membros. A partir de uma abordagem integrada com eletroestimulação, fortalecimento gradativo, apoio familiar e emocional o paciente voltou a se alimentar sozinho, tomar banho e até caminhar com muletas. "Ele recuperou a autonomia. Mudou tudo. Foi um divisor de águas."
O segundo caso é ainda mais duradouro: um paciente com doença rara degenerativa, acompanhado por ele há 16 anos. "Já passou por várias fases de caminhar sozinho, depois com dificuldades e hoje usa cadeira de rodas. E está tudo bem. A gente sempre oferece opções. A escolha é dele. E quando o paciente se sente respeitado, a aceitação é mais tranquila." André Dallaserra reforça que, nesse tipo de acompanhamento a longo prazo, é impossível não criar vínculo. "A gente sente junto. Mas nosso papel é apontar caminhos possíveis, mesmo quando tudo parece difícil. Sempre há uma saída."
Escuta ativa
Compreender profundamente a história, as necessidades e os sentimentos do paciente antes de qualquer intervenção física.
Conhecimento técnico
Dominar as particularidades de cada condição neuromuscular para adaptar os exercícios de forma segura e eficaz.
Trabalho em equipe
Integrar diferentes especialidades médicas e terapêuticas para uma abordagem verdadeiramente holística.
Fator transdisciplinar
Incorporar elementos que vão além do físico, como a crença na recuperação e a energia positiva que potencializa os resultados.
Para Dallaserra, reabilitação não é só devolver movimento é devolver dignidade, autonomia e alegria de viver. "Diagnóstico não é sentença. A gente precisa ajudar o paciente a reencontrar felicidade mesmo com limitações. Porque a vida continua. E merece ser vivida com intensidade."
Contato pelo Instagram: @andredellaserra
Em Análise
O impacto psicológico de um diagnóstico: entre perdas, luto e reconstruções
Ângelo Monesi
Psicólogo e psicoterapeuta da Clínica Almaã, em São Paulo (SP), especialista em depressão e sexualidade humana, além de autor na área da psicologia.
CRP 06/89456 | aamonesi@uol.com.br
Receber um diagnóstico de uma condição com a qual se vai conviver por tempo indeterminado — e, muitas vezes, com alto grau de incerteza — é mais do que um marco médico. É um abalo psicológico, emocional e existencial. A notificação do diagnóstico pode equivaler a um trauma. Não à toa, muitas pessoas guardam com exatidão a data, o local, o cheiro do consultório. Outras, por sua vez, simplesmente não lembram. Porque, como todo trauma, o impacto é processado de formas distintas.
O que se inicia, para muitos, é um processo semelhante ao do luto. E esse luto tem fases bem descritas na literatura: negação, raiva, barganha, depressão e, por fim, aceitação. Nem todos percorrem esse caminho na mesma ordem ou no mesmo ritmo. Mas entender que ele existe ajuda a dar contorno ao que parece caótico.
Negação
"Isso não pode estar acontecendo comigo. Deve haver algum engano."
Raiva
"Por que eu? Não é justo! Como isso pôde acontecer?"
Barganha
"Se eu mudar completamente minha vida, talvez isso passe. Farei qualquer coisa."
Depressão
"Não há saída. Para que tentar? Nada mais importa."
Aceitação
"Isso faz parte da minha vida agora. Como posso viver bem com essa nova realidade?"
Em Análise (continuação)
As primeiras reações: insegurança e perda da tranquilidade
Insegurança
O chão parece sumir.
Perda da confiança
No corpo, no futuro, no próprio valor.
Perda da tranquilidade
O medo vira presença constante.
A sombra da dependência
Ainda que não se manifeste de imediato, o simples pensamento de perder autonomia assusta profundamente.
Essa última, a dependência, é uma das mais temidas. Ela aparece mais tarde, mas desde o começo ronda como uma ameaça invisível.
Crises de identidade e de cuidados
Com o tempo, muitas pessoas entram em crise de identidade: quem sou agora? A que grupo pertenço? Sou paciente, sou deficiente, sou profissional, sou mãe, sou alguém em transição?
Há também a chamada crise de cuidados, quando a pessoa se pergunta: quem cuida de mim, enquanto eu lido com tudo isso? É o mesmo tipo de crise que muitas mães vivenciam no puerpério, e que se repete em doenças crônicas com alto grau de exigência emocional e física.
A importância da psicoterapia
Um ponto fundamental do tratamento é o cuidado com o emocional. E a psicoterapia, nesse contexto, não é um adorno. É uma âncora.
Não se trata apenas de ajudar a lidar com o impacto do diagnóstico. É preciso preencher o espaço interior da pessoa com confiança e segurança, para que a doença não ocupe esse espaço com desconfiança, medo e vazio.
"Não existe vazio no plano espiritual. Ou você está preenchido de coragem ou de medo. De confiança ou de insegurança." Ângelo Monesi
Esse trabalho não pode ser feito sozinho. A psicoterapia, nesses casos, é sempre um trabalho em rede: paciente, família, cuidadores, equipe. Um membro com excesso de negatividade pode comprometer o ambiente inteiro. É preciso formar uma corrente de sustentação.
Em Análise (conclusão)
Três níveis de psicoterapia em diagnósticos de grande impacto
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Terapia de apoio
Trabalha a confiança e a fé. É o primeiro passo, o básico do suporte emocional.
Terapia de suporte do ego
Preserva a identidade, os vínculos e os papéis sociais. Reforça a sensação de pertencimento.
Terapia de elaboração das perdas
Acolhe e organiza o luto pelas perdas que virão: da mobilidade, do papel profissional, das relações, do próprio corpo.
"A pessoa diagnosticada com uma condição crônica ou progressiva começa uma coleção de perdas. E toda perda exige luto." Ângelo Monesi
Luto e gratidão: a chave para seguir
Talvez a frase mais poderosa da conversa tenha sido essa:
"Não existe separação sem gratidão."
E isso vale também para a separação entre o antes e o depois do diagnóstico. Entre quem a pessoa era e quem ela está se tornando.
Se a pessoa conseguir olhar para tudo o que viveu, para os vínculos que construiu, para o que aprendeu com a doença e sentir gratidão ela cria um espaço de dignidade interior que nenhuma condição médica consegue tomar.
Um diagnóstico traz perdas? Sim. Mas também pode trazer profundidade, lucidez e, para quem aceita o convite, uma transformação que ultrapassa a biologia.
Dica da Raros
Introducing, Selma Blair (2021)
Condição: Esclerose Múltipla (EM)
Descrição: Documentário íntimo e corajoso que acompanha a atriz Selma Blair após o diagnóstico de Esclerose Múltipla. Mostra seus tratamentos, mudanças físicas e emocionais com honestidade rara.
Onde assistir: Discovery+ e Amazon Prime Video (aluguel)
For Love & Life: No Ordinary Campaign (2024)
Condição: Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA/ALS)
Descrição: A história real de Brian Wallach, diagnosticado com ALS aos 37 anos, e sua esposa Sandra, que transformaram a dor em mobilização social e política. Uma campanha por vida, dignidade e esperança.
Onde assistir: Amazon Prime Video
The Extraordinary Life of Ibelin (2024)
Condição: Distrofia Muscular de Duchenne
Descrição: Documentário da Netflix sobre Mats "Ibelin" Steen, jovem com atrofia muscular que encontrou liberdade e impacto por meio dos games online. Sensível, inesperado e comovente.
Onde assistir: Netflix
Estes documentários oferecem perspectivas únicas e profundamente humanas sobre a vida com doenças raras e neurológicas. Além de informar, eles ajudam a construir empatia e compreensão, mostrando que há muito mais nas pessoas do que suas condições médicas.
Recomendamos assistir a estes filmes com um olhar aberto, disposto a enxergar não apenas os desafios, mas também a força, a criatividade e a resiliência de quem vive com estas condições.
Glossário: Termos importantes sobre ELA e EM
Termos relacionados à ELA
Neurônio motor: Célula nervosa responsável pelo controle dos movimentos voluntários, afetada na ELA.
Fasciculação: Contrações musculares involuntárias visíveis sob a pele, comuns nos estágios iniciais da ELA.
Disfagia: Dificuldade para engolir, que pode ocorrer com a progressão da doença.
Disartria: Dificuldade na articulação das palavras, afetando a fala.
Ventilação não-invasiva: Suporte respiratório usado quando os músculos respiratórios são afetados.
Traqueostomia: Procedimento cirúrgico que cria uma abertura na traqueia para facilitar a respiração.
Comunicação alternativa: Métodos e tecnologias que permitem a comunicação quando a fala está comprometida.
Riluzol: Medicamento que pode retardar a progressão da ELA.
Termos relacionados à EM
Mielina: Camada protetora dos nervos que é atacada pelo sistema imunológico na EM.
Surto ou exacerbação: Período de novos sintomas ou piora dos existentes, seguido por recuperação parcial ou total.
Remissão: Período de melhora ou estabilidade dos sintomas após um surto.
Lesões desmielinizantes: Áreas de dano à mielina visíveis em exames de ressonância magnética.
Neurite óptica: Inflamação do nervo óptico que causa problemas de visão, comum na EM.
Bandas oligoclonais: Marcadores de inflamação no líquido cefalorraquidiano que podem ajudar no diagnóstico.
Medicamentos modificadores da doença: Tratamentos que reduzem a frequência e gravidade dos surtos.
Fadiga: Cansaço extremo não proporcional ao esforço realizado, sintoma comum na EM.
Este glossário visa facilitar a compreensão dos termos técnicos frequentemente utilizados por profissionais de saúde. Conhecer esse vocabulário pode ajudar pacientes e familiares a se comunicarem melhor com a equipe médica e a entenderem melhor os relatórios e orientações recebidos.
Relatos de Esperança: Histórias que inspiram
Viver com uma doença neurológica como ELA ou EM é um desafio diário, mas muitas pessoas encontram formas de transformar sua experiência em algo significativo, inspirador e até revolucionário. Conheça algumas histórias reais que mostram como é possível encontrar propósito mesmo diante das maiores adversidades.
Stephen Hawking
Diagnosticado com ELA aos 21 anos, viveu mais de 50 anos com a doença, revolucionando a física teórica. Usando apenas um músculo da bochecha para se comunicar através de um computador, escreveu livros, deu palestras e mostrou ao mundo que a mente pode transcender as limitações do corpo.
Montel Williams
Apresentador de TV diagnosticado com EM em 1999, tornou-se um ativista incansável pela pesquisa e conscientização sobre a doença. Criou a Montel Williams MS Foundation e continua a trabalhar na mídia, demonstrando que é possível manter uma carreira ativa mesmo com EM.
Ady Barkan
Advogado e ativista diagnosticado com ELA em 2016, transformou sua luta pessoal em uma poderosa campanha por acesso à saúde nos EUA. Mesmo perdendo a capacidade de falar, continua a testemunhar no Congresso usando tecnologia de voz sintetizada e mobiliza milhões através de suas redes sociais.
Histórias brasileiras
Carlos Faria: Diagnosticado com ELA em 2014, o jornalista e escritor criou o blog "Esclerose Lateral Altruísta", onde compartilha sua jornada com humor e profundidade. Mesmo com limitações severas, publicou livros e mantém uma coluna em um jornal de grande circulação.
Ricardo Ferraz: Após o diagnóstico de ELA, o engenheiro desenvolveu adaptações tecnológicas para sua própria casa e agora projeta soluções de acessibilidade para outros pacientes, transformando seu conhecimento técnico em ferramentas que promovem autonomia.
"A doença pode limitar meu corpo, mas não pode aprisionar minha mente, minha voz ou meu propósito. Na verdade, ela me deu uma clareza que eu nunca tive antes sobre o que realmente importa." - Carlos Faria
Estas histórias não buscam romantizar a doença ou sugerir que todos devem se tornar ativistas ou figuras públicas. Cada jornada é única, e encontrar significado pode acontecer de formas muito pessoais e privadas.
O que elas mostram, no entanto, é que o diagnóstico não define o fim da história – apenas muda seu curso. E que, mesmo com limitações progressivas, é possível encontrar novas formas de expressão, conexão e propósito.
Se você está no início dessa jornada, saiba que não está sozinho. Há uma comunidade inteira de pessoas que entende seus desafios e está pronta para acolher, apoiar e inspirar.
Associações e Grupos de Apoio: Onde buscar suporte
Conectar-se com outras pessoas que vivenciam desafios semelhantes pode fazer toda a diferença na jornada com doenças neurológicas. Associações e grupos de apoio oferecem não apenas informação qualificada, mas também acolhimento emocional e senso de pertencimento. Conheça algumas das principais organizações no Brasil:
ABraELA
Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica
📍 São Paulo/SP
Oferece orientação médica, suporte psicológico e social, além de promover pesquisas e conscientização sobre a ELA.
Associação Pró-Cura da ELA
📍 São Paulo/SP
Foco em apoio prático a pacientes, com doação de equipamentos, orientação sobre direitos e suporte emocional.
ABEM
Associação Brasileira de Esclerose Múltipla
📍 São Paulo/SP
Pioneira no apoio a pessoas com EM no Brasil, oferece informação, suporte e atividades para pacientes e familiares.
AME
Amigos Múltiplos pela Esclerose
📍 Atuação nacional
Organização criada por pacientes, com forte atuação em conscientização, advocacy e apoio entre pares.
Grupos regionais e online
Além das associações nacionais, existem diversos grupos locais e comunidades online que oferecem suporte mais próximo e personalizado:
  • Grupos no Facebook: "Vivendo com ELA", "EM em Foco", "Cuidadores de Pacientes com ELA"
  • Fóruns online: Plataformas como PatientsLikeMe conectam pacientes do mundo todo
  • Grupos WhatsApp: Muitas associações mantêm grupos regionais para troca de experiências
  • Encontros presenciais: Cafés com EM, rodas de conversa para familiares, eventos de conscientização
Esses espaços são valiosos não apenas para receber apoio, mas também para compartilhar conhecimento prático sobre adaptações, direitos, medicamentos e estratégias de enfrentamento.
Benefícios de participar de grupos de apoio
  • Redução do isolamento: Conectar-se com pessoas que realmente entendem o que você está passando
  • Informação prática: Dicas sobre adaptações, equipamentos e recursos que funcionaram para outros
  • Apoio emocional: Espaço seguro para expressar medos e frustrações sem julgamento
  • Inspiração: Conhecer diferentes formas de lidar com desafios semelhantes
  • Advocacy: Unir forças para lutar por políticas públicas e direitos
  • Esperança: Ver exemplos de pessoas vivendo bem, mesmo com a doença
Para familiares e cuidadores, esses grupos também são fundamentais, oferecendo suporte específico para os desafios únicos que enfrentam.
Se você ainda não encontrou seu grupo, não hesite em buscar. E se não encontrar um que atenda às suas necessidades específicas, considere iniciar um. Às vezes, o maior presente que podemos dar a nós mesmos é a conexão com quem entende nossa jornada sem precisar de muitas explicações.
Mensagem aos Leitores
Chegamos ao final desta edição especial da Revista Raros, dedicada a lançar luz sobre a Esclerose Lateral Amiotrófica e outras condições neurológicas que, embora raras em estatísticas, são imensas na vida de quem as vivencia.
Ao longo destas páginas, buscamos não apenas informar, mas também conectar, inspirar e, sobretudo, humanizar o olhar sobre essas condições. Porque por trás de cada diagnóstico, há uma pessoa completa – com sonhos, medos, talentos e uma história única que merece ser vista em sua totalidade.
Acreditamos que informação qualificada é uma forma de cuidado. Que visibilidade é um passo para políticas públicas mais justas. Que compartilhar histórias reais é um antídoto contra o isolamento que tantas vezes acompanha diagnósticos raros.
Esta edição nasceu do desejo de criar pontes – entre pacientes e médicos, entre famílias e recursos, entre quem vive com estas condições e quem busca compreendê-las melhor. Esperamos que, de alguma forma, essas pontes tenham chegado até você.
Se você é uma pessoa que vive com ELA, EM ou outra condição rara, queremos que saiba: sua voz importa. Sua experiência é valiosa. Sua jornada, com todos os seus altos e baixos, merece ser honrada. E você não está sozinho nesse caminho.
Se você é familiar, amigo ou cuidador, reconhecemos sua dedicação diária, muitas vezes invisível, mas sempre fundamental. Seu papel vai muito além do cuidado físico – você é âncora emocional, advogado de direitos, tradutor de mundos.
Se você é profissional de saúde, agradecemos por cada gesto que humaniza o cuidado, por cada momento em que enxerga além do diagnóstico e vê a pessoa em sua totalidade.
E se você chegou até aqui movido pela curiosidade ou pelo desejo de compreender melhor essas condições, obrigado por dedicar seu tempo e atenção. A empatia começa com a disposição de conhecer realidades diferentes da nossa.
A Revista Raros seguirá sendo um espaço de acolhimento, informação e conexão. Um lugar onde histórias raras ganham a visibilidade que merecem. Onde a ciência se encontra com a humanidade. Onde o conhecimento se transforma em compreensão.
Convidamos você a continuar essa jornada conosco nas próximas edições. A compartilhar suas próprias histórias. A fazer parte desta comunidade que acredita que, juntos, somos mais fortes.
Com gratidão e esperança,
Equipe Editorial da Revista Raros